sábado, 18 de maio de 2013

O arquiteto e a moça da papelaria



Lá vem ele, tranquilo andando pela rua, feição serena, ninguém imagina quem ele é. Ninguém sabe que ele oferta por aí a indiferença e que cada pessoa que se aproxima, sente a dor de ingerir uma grande quantidade de gelo de uma vez. Cheio de pompa, desfilando sua arrogância em poses e vestimentas de insolência, tentando outros diminuir. Caminha tranquilo, exalando hostilidade e despertando o ódio (em mim).

Ninguém sabe o que ele fez com a moça da papelaria.  Moça simples, mas com sentimentos extremistas, sempre com vertente pro bem. Não entendia o que era malfeitoria e caiu na armadilha, do moço do desdém. 
Chegou com a doçura do açúcar, cheio de candura, com a cara de pau mais dura que eu já pude conhecer e perguntou:

— Não consigo encontrar os lápis para desenho. Pode me ajudar? sorridente ela respondeu.
— Claro! Qual a numeração que o sr. quer?
— Ah! Por favor, pode me chamar de Ricardo.—ela sorriu, meio sem jeito.– Quero o número 9, por favor.
— Aqui está! 
— Obrigado! Como posso lhe chamar?
— Luiza.
— Obrigado Luiza, foi muito gentil! – ela simpática e sorridente, respondeu:
— Por nada, volte sempre e quando precisar me procure!
— Procurarei! - respondeu olhando em seus olhos.

Seguiu em direção ao caixa. Enquanto seguia pensava na beleza de Luiza. Pagou o lápis e seguiu em direção ao escritório.

Ricardo Paiva era um arquiteto reconhecido, que por um relapso da funcionária, acabou precisando ir a papelaria. Não era algo que ele fazia. Não era gentil no seu dia a dia. Era um ambicioso desmedido. No escritório, enquanto desenhava e criava, era interrompido pela lembrança da moça da papelaria. 

No final do expediente, Ricardo, no caminho de volta pra casa, dirigia seu carro no transito infernal de São Paulo, como se ele estivesse no 'automático'. Começou a tentar encontrar uma desculpa, para que ele pudesse rever Luiza. Pensava, em espera-la na saída da papelaria, mas não sabia que horas ela saia. Até aí é fácil, pensou ele, posso ligar e perguntar a que horas a papelaria fecha, mas, o horário dela pode ser diferenciado. Pensou em pedir para um funcionário perguntar discretamente, mas ele não poderia se expor dessa maneira.  Entre uma ideia e outra, ele não sabia porque a inquietação diante da beleza de Luiza, afinal,  ele convivia com mulheres belíssimas, cultas e interessantes. Não demorou muito para despertar em seu pensamento a pergunta que demonstrava sua mesquinhez. 

Como eu, E-U, posso estar eufórico por conta de uma simples funcionaria de uma papelaria? Com certeza sua vida é medíocre, nada tem a oferecer , deve ser um objeto oco. Isso passa!-Em voz alta ele concluiu seu raciocínio.
— Tenho que fazer caridade! - continuou a pensar em como rever Luiza.
Enquanto Ricardo convive com as interrupções de Luiza em seu pensamento, ela tranquila transita entre papéis, lápis e tesouras. Não tem grandes preocupações com o futuro, se sente feliz sem grande infortúnio.
Luiza Rodrigues, esse é o seu nome, exala tranqüilidade. Sua vida segue uma maré tranquila, sempre na mesma rotina. Acorda as seis e meia, usa quarenta minutos para sua higiene pessoal, em cinco minutos toma uma xícara de café, que sua mãe preparou e as sete e quinze, ela sai. 
Caminha dezoito minutos até a papelaria. As sete e trinta e três ela entra na papelaria e segue até a área restrita para funcionários, onde ela coloca seu uniforme, se arruma e segue ao atendimento da papelaria as sete e cinqüenta e oito. Oito horas em ponto, lá está ela pronta para começar. Todos os dias a mesma rotina.Vivendo assim, Luiza nem desconfiava que marcava presença em uma mente asquerosa. 
Dificilmente Luiza se encantava por alguém, mas sempre que pensava no futuro, a via vivendo bem. Viver bem pra ela, era uma vida simples. Era chegar a velhice acompanhada. Com filhos, um lar simples pra descansar e nenhum problema de saúde pra atrapalhar. 
Já havia se passado nove dias, desde o dia que Ricardo apareceu na papelaria. Se sentia incomodado, por tantos dias sem ter conseguido encontrar com ela. Mas, seu plano já estava traçado. Todo mundo sabe como o egoísmo fere. Ricardo estava disposto a ferir com o seu. Não conseguia pensar em mais nada, que não fosse ele mesmo. Pra ele, Luiza era um objeto vazio, onde ele poderia usar. Não conseguia imaginar nada bom nela. Mal sabia ele, que embora ela fosse simples, ela era demasiado humana. Sempre prestativa, guerreira, não deixava que qualquer coisa a derrubasse. Vivia para sua família. 
Como eu já disse, ela exalava tranqüilidade. Mas não é por isso, que estava isenta de agitações e problemas.Chega então, o problema pra vida de Luiza.
Saindo da papelaria, ela nem imaginava que Ricardo (nome que ela nem lembrava mais), estava a sua espera. Ele havia estacionado seu carro a quinze metros da papelaria e ficado na banca de jornal, disfarçando, lendo por umas duas horas. Da forma mais óbvia, ele se aproximou dela. 
Carregando algumas revistas que havia comprado na banca, quando a viu sair atravessou correndo como se não a tivesse visto. Por sorte dele, ela vinha na direção que ele estava, então, foi fácil esbarrar nela e derrubar todas as revistas. (Essas cenas que aparecem em filmes e muitas mulheres quando vivem isso na vida real... Suspiram)
Quando Luiza viu as revistas no chão, imediatamente pediu desculpas, sem olhar em seu rosto, e abaixou para ajudar a recolhê-las. Foi aí que ele começou a agir.
— Luiza?!
Ela olhou espantada e em algum segundos lembrou do seu rosto.
— Se lembra de mim? 
— Você esteve na papelaria há alguns dias. Eu me lembro sim! Sorriu.
— Tudo bem com você? Que coincidência esbarrar contigo! 
— Tudo bem! Pois é... Me desculpe!
— Ah! Não precisa se desculpar, a culpa foi toda minha! Está indo pra casa? Perguntou subitamente pra não deixar ela escapar.
— Sim, estou indo pra casa! Não lembro o seu nome...
— Luiza... esqueceu o meu nome? Isso é grave, afinal, eu não esqueci o seu.
— Me desculpe, mas são muitos clientes na papelaria.
— Posso desculpar, mas se você aceitar tomar um café comigo. - Luiza achou estranho. 
Ela não via beleza nessas cenas cinematográficas, consequentemente, não suspirava como muitas mulheres, com essas falsas coincidências.
— Me desculpe, mas estou muito cansada. Quem sabe numa outra oportunidade? 
— Ah! Vamos lá! Prometo que não vai demorar! - olhava em seus olhos com ternura (uma falsa ternura, mas até aí ele atuava bem).
— Sinto muito. Tenho minha família a minha espera.
— Ah, não seja tão dura comigo, sou uma pessoa bacana. Você vai gostar de me conhecer.
Luiza se focou na palavra conhecer e achou interessante integrar alguém a sua história. Meio sem ânimo, ela disse:
— Tudo bem... Vou ligar para minha família e dizer que chegarei mais tarde.
— Ótimo! 
Enquanto Luiza fazia a ligação, ele aguardava ao lado eufórico, confiante que sua astúcia iria funcionar. Tudo estava arquitetado, afinal, arquitetura era sua especialidade. Mesmo sendo clichê, suas palavras eram convincentes.
— Pronto! Podemos ir. - disse ela de uma forma simpática.
— Meu carro está a alguns metros daqui.
— Tudo bem! Vamos...
Caminharam juntos até o carro e enquanto caminhavam ela descobriu seu nome e que era arquiteto. Em cinco minutos de carro, chegaram a um café. Lá, ele se mostrou encantador à Luiza. Mentiu e mentiu muito. Se mostrou uma pessoa simples, prestativa, totalmente do bem.
Ela que nunca se encantava. Se encantou. Entre conversas, risos e olhares, um café e outro, ele sentia que seu objetivo estava sendo atingido. Ela, nem desconfiava que estava sendo laçada por um plano maldoso. Acontece, que ele também não imaginou, que Luiza era encantadora. Diferente do que ele pensou, ela não era um objeto oco. Os dois ali, naquele café, se envolviam num encantamento, que tudo já não soava tão falso. Mas, não podemos esquecer, que Ricardo se mostrou o melhor dos humanos. Embora, ele não fosse assim no dia a dia, com ela, ele sentia que era real. E o tempo foi passando enquanto eles sorriam. 
Quando ela olhou em seu relógio, viu que já estava tarde, e disse:
— Ricardo, foi muito bom estar aqui com você, mas preciso ir. Está tarde e trabalho logo cedo!
— Lamento, mas te acompanharei até a sua casa.
— Tudo bem! Aceito a oferta!
Seguiram. No caminho, Luiza orientava a localização. Quando chegou, ela agradeceu,  deu um beijo caloroso em seu rosto e desceu.
Ele, extasiado, seguiu, sem acreditar que fora surpreendido! Afinal, ela não parecia um objeto vazio.
No dia seguinte, ao acordar a primeira coisa que ocorreu em ambas as mentes, foi um ao outro. O dia prosseguiu como de costume, cada um a sua maneira, mas cada um com o pensamento no outro. No fim da tarde, Ricardo sentia vontade de falar com ela. Foi aí, que impulsionado pela ansiedade, ligou na papelaria.
— Oi Luiza, me desculpe te ligar, mas precisava ouvir a sua voz!
— Que bom que ligou! Mas da próxima vez, pode ligar no meu celular. - Passou o número, marcaram o segundo encontro.
No mesmo dia, se encontraram envoltos em ansiedade e desejo. Os dois já desconfiavam que estavam apaixonados.  Se encontraram em frente ao café. Não esperaram nada. Ao cruzarem os olhares, os sorrisos e os braços se abriram. Enlaçaram-se um no outro e beijaram-se com ardor. Nenhuma palavra foi dita.
Ao notarem o que havia ocorrido, caíram na gargalhada, felizes!  Luiza o surpreendeu, dizendo:
— Vamos pra um lugar mais reservado?
Ricardo a puxou pela braço, se sentindo o mais felizardo de todos os homens! Foram ao hotel mais chinfrim da cidade e nem se incomodaram com o cheiro de mofo que inebriava o lugar. Se amaram com gemidos, sussurros e declarações. Depois, se olharam e confessaram um ao outro que estavam apaixonados. Riam muito. Transbordavam seus excessos. Nesse momento nada importava, nada era levado em consideração a não ser os dois e aquele mágico momento. 
Já se passava dois meses de pura alegria, carícias e afins. Ricardo ligava varias vezes ao dia para conversar, sempre doce e amável. Marcava os encontros sempre em frente ao café. Uma vez e outra, ligava na ultima hora para desmarcar, por compromissos inusitados. Luiza nunca entendia o que era, mas não se incomodava. 
Num sábado de abril, Luiza  estava de folga e logo que acordou recebeu a doce ligação de Ricardo. Ligou pra ela, dezoito vezes nesse dia. Todas as vezes, reforçava o encontro que teriam a noite. Chegou o momento. 
São oito horas da noite e ela segue até o café. Não o encontra. Aguarda... Liga em seu celular, mas ele não atende. Ela começa a se preocupar, várias catástrofes passam em sua mente. Já se aproximava às nove horas quando ela recebeu uma mensagem de texto, que dizia:

           DEPOIS EU TE LIGO!

Luiza, que sempre ficava tranqüila, se irritou profundamente e começou a ligar. 
Ele, simplesmente não atendia. Ela então, decidiu prosseguir a conversa por mensagem de texto:

LUIZA: está tudo bem?
RICARDO: não estou me sentindo muito bem!
LUIZA: mas o que você tem?
RICARDO: não tenho vontade de sair de casa!

Ao ler tal mensagem, foi tomada por uma lucidez. Naquele instante, ela pode perceber que Ricardo escondia algo. E mesmo que doesse, precisava tomar uma decisão  importante.  Por mais que ela fosse uma moça simples, tinha suas convicções do que não queria pra si. Escreveu pra ele: 

LUIZA: Nesse momento acabo de perceber que existe algo estranho em você. Não é a primeira vez que você me dá indícios, mas só agora pude perceber o quanto você é mesquinho. Definitivamente não é isso que eu quero pra mim.
RICARDO: Não te pedi opinião nenhuma sobre mim!

Ela, teve certeza que acabara de tomar a decisão correta. Não o veria nunca mais. 
Seguiu do café até sua casa, triste, engolindo o choro e lamentando a paixão ser tão fugaz. Chegou em casa e se deitou, pronta pra dormir do mesmo jeito que estava, pra esquecer a dor que a afligia. As lágrimas começaram a molhar seu rosto e travesseiro. Abraçada a tristeza, dormiu. Mas, algumas horas depois, foi despertada pelo som do telefone celular. Quando pegou o telefone, viu que quem ligava era Ricardo e imediatamente desligou. Mas, ele insistiu, e ela atendeu. Era uma hora e trinta e cinco minutos da madrugada.

— Alô.
— Não quer falar comigo?
— Não temos mais nada pra conversar.
— Olha, eu saí pra caminhar e pensar. Concluí, que você é uma pessoa incrível e gostaria muito de tentar algo com você. Eu sei que eu não fui legal com você, mas gostaria que me desculpasse.
— Eu desculpo! Mas definitivamente você não é a pessoa que eu quero na minha vida. Você demonstrou a falta de respeito que você tem por mim hoje, só que, eu me respeito.
— Você  acaba de me entristecer.
— Sinto muito.

Ricardo realmente achava Luiza especial. Mas sua arrogância e ambição falava mais alto.

Passaram-se dois dias e Ricardo telefonou pra ela:

— Oi, estou ligando só pra dizer que quero muito que seja feliz. E talvez comigo não seja  possível.
 — Não se preocupe. O que mais quero é ser feliz. E SEREI!

Continuaram se tratando educadamente, deixando claro que a paixão acabara, mas podiam se comunicar. Ele continuava a ligar pra ela, como se fossem bons amigos. Perguntava como estava e fim.
Alguns dias depois da relação cordial, ele ligou pra ela, lamentando o fato de tê-la perdido e disse que faria tudo para tê-la.  E continuou:

— Luiza, eu preciso vê-la! Quero que esteja em frente ao café em uma hora.
— Me desculpe, mas não irei! - respondeu ela.
— VOCÊ VAI! - gritou ele e desligou o telefone.

Ela ficou meio surpresa com a reação, mas já tinha sua decisão. Passou meia hora e seu telefone tocava ininterruptamente. Quando ela atendeu, ele disse aos berros:

— VOCÊ NÃO ME ATENDEU POR QUE?
Ela não acreditava que aquela pessoa era a mesma que ela havia conhecido. Sentia a sua voz agressiva, sentia que se não fosse por telefone a conversa, provavelmente seu físico seria atingido por essa agressividade. Ela, nada respondeu.
— Já estou chegando, onde você está?
— Já disse que não vou! Acabou! -disse ela.
— Não... Você só pode estar tirando uma com a minha cara! Quer saber? Com você, tudo que rolou foi sexo. E dos piores! Você não é mulher pra mim mesmo! Você é oca, uma vagabunda, sem classe!

Luiza ouviu isso, sem acreditar que era real. Infelizmente era. Ela foi se desligando, sentia sua pressão desaparecer e disse com uma voz bem calma:
— Tchau Ricardo! - desligou o celular, retirou o chip e jogou no lixo, simbolizando o fim de uma paixão intensa. 
Ela, sentia uma profunda dor por cada palavra escutada.
Ele, sentia raiva por cada palavra dita, mas seu orgulho e arrogância não permitia uma tentativa de concerto. Afinal, ele era isso!
Ela, extasiada, não acreditava no que vivera. Jamais imaginou passar por tamanha violência. Se recompôs e foi ser feliz.

Ele, entre sorrisos e abraços, comprimentos com afagos, lá está ele fingindo que se importa, representado o bom da corja. Entre aquela gente, que o outro nem sente e sempre mente, pra reverter, tudo que de fato é. Todo eloquente vomitando palavras que o favorecem, mascarando, sua verdadeira identidade. Circula com ar de caridade, sem ninguém perceber sua maldade.

Élida Regina

Nenhum comentário:

Postar um comentário